terça-feira, 27 de maio de 2008

Um artigo muito recente do Dr. Jaime Teixeira Mendes

QUEM ESPERA DESESPERA

O último número do Medi.com, boletim informativo da secção regional do Sul da Ordem dos Médicos, em especial o editorial, mostra à evidência que nada mudou após as eleições dos órgãos dirigentes da secção regional sul.

Qual tribunal do santo ofício, a OM suspeita, denuncia e pretende julgar “o exercício ilegal de medicina” praticado por médicos cubanos que dão uma consulta de triagem nas autarquias que fizeram acordos com hospitais cubanos, que são, segundo noticias da imprensa, mais baratas do que se fossem realizadas em centros de saúde ou hospitais portugueses.

Mas a cruzada prossegue. Imaginem que a direcção do hospital do Barreiro teve o atrevimento de contratar um oftalmologista espanhol, após variadíssimas tentativas de motivar os seus médicos para operarem mais doentes em horas extras e com pagamento além do ordenado base, o que estes recusaram. Dizem que operou num mês quase tantos doentes como os oftalmologistas do hospital num ano.

Segundo fonte deste hospital, a actuação deste oftalmologista espanhol está a ser objecto de uma auditoria rigorosa por parte da Ordem dos Médicos, não vão ter havido negligências ou erro médico, e isto tudo na “defesa da ética”.

Como sempre, a direcção da Ordem debruça-se sobre o acessório e não analisa o essencial.

O essencial é que existem, no nosso país, 30.000 doentes à espera de serem operados, 107.000 aguardam uma consulta de oftalmologia e 75.000 uma primeira consulta.
Senhores dirigentes, não se preocupem com as estadas prolongadas de alguns algarvios em Cuba, preocupem-se com estes nossos concidadãos que continuam à espera de serem atendidos no SNS. Serviço Nacional de Saúde que tanto encheu a boca dos candidatos durante a última campanha eleitoral.

Ou não será um dos primeiros princípios da ética médica a defesa dos seus doentes?

As soluções apresentadas neste boletim por uma comissão de estudo, presidida pelo Dr. Florindo Esperancinha, são o privado e o convencionado. Como “novidade”, apenas as sociedades anónimas a funcionarem dentro dos hospitais.
Assim além dos Morpheus* passávamos a ter os Polifemos. Com estas propostas, aqueles que esperam ser operados às cataratas já não têm esperanças mas têm “Esperancinha”.

A maioria dos doentes com cataratas é idosa e recusada pelos seguros privados. Assim, a solução deste problema não passa pelo recurso aos privados - a não ser que mais uma vez o Estado pague a factura -, como também não passa pelo envio dos doentes a Cuba ou pela contratação de médicos estrangeiros.

Apoiamos, com reticências, a decisão da Ministra de pagar incentivos aos oftalmologistas, exigindo um aumento da produção de base, resistindo ao envio dos doentes para o privado.
Contudo, este tipo de solução, noutras especialidades, já foi tentado sem grande sucesso.

O pagamento de incentivos para operar mais, atribuído àqueles que operam menos, é perverso em relação aos serviços que cumprem as contratualizações impostas pelas ARS’s, sem incentivos nem horas extraordinárias.

As sociedades anónimas de médicos ou empresas de prestações de serviços, a actuar nos hospitais públicos, já demonstraram os maus resultados. Além do mais, com a falta de ligação entre médicos e doentes, a sua prestação de serviços paga à hora, “tipo taxímetro”, não dignifica a classe. Desafio, aliás, a Ordem a realizar auditorias onde esses contratos se fazem.

Então qual é a solução? Ela passa pela realização de contratos colectivos de trabalho com valores muito superiores àqueles que são actualmente realizados, horário obrigatório de 40 horas semanais, separação completa entre o exercício da medicina nos sectores privado e público, a fim de acabar com a promiscuidade até agora existente.

E garanto-vos, senhores gestores, poupa-se dinheiro sem recorrer a malabarismos financeiros.

O que vimos hoje são as administrações hospitalares a recusarem-se oferecer mais 200 a 300 euros, em contratos individuais a médicos necessários ao bom funcionamento dos serviços, para mais tarde contratarem as tais sociedades anónimas 10 vezes mais dispendiosas.


* nome de uma empresa de prestação de serviços de anestesia, que estabelece contratos com vários hospitais públicos em Lisboa.

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