segunda-feira, 3 de março de 2008

A REVOLTA NA SAÚDE

pelo Dr. Jaime Teixeira Mendes

A revolta da Maria da Fonte, seguida da revolução da Patuleia ou Pata ao Léu, começou na Povoa do Lanhoso com uma contestação às primeiras leis de saúde pública publicadas em Portugal pelo governo de Costa Cabral.

Visto à distância de 200 anos, as leis eram correctas e progressistas para o avanço necessário de um país atrasado pela monarquia absolutista.

Quais eram essas leis?
Cito o conto jocoso atribuído a António Feliciano de Castilho, cabralista nesses tempos: “Crónica Certa e muito verdadeira de Maria da Fonte escrevida por mim que sou seu tio O Mestre Manuel da Fonte Sapateiro no Peso da Régua dada à Luz por um cidadão demitido que tem tempo para tudo”. Escrito em linguajar do Norte da época.
Cito: “… chamada a lei de saúde púbrica, que no principio cudavam alguns vezinhos meus, que seria pra mandar que todos tevessem sempre saúde* mas eu logo le disse que non podia ser, e non era. Parece que dizia a lei de saúde púbrica, que os defuntos se non haverem de interrar senon nos cavadelos (cemitérios) por non ser bonito fazer-se de egreja monturo, que às vezes cheiram elas a carniça podre que nem o açougue cá da vila, que tem por dezer que são cousas munto ruins para a saúde corporal dos corpos da gente, que dali se jaressem muntos germos de infermedades e maleitas, que non têm cura."
Mas a lei ia mais longe: “… non poderem os boticairos ** vender um bocado de resgalgar (veneno) prós ratos sem receita, nem os vendeiros vender vinho sem ser aprovado e as casas de comer non poderem cozinhar em coisas que fezessem azenhabre (azebre) e os comestiveles das tendas serem inzeminados, a ver se eram sãos, e oitas mais que nunca se viram em parte nenhuma*** Mas contudo o que mais alanzoação causou, foi dezer a desanvergonhada da lei, que as mulheres do fado seriam muito bem revistadas toda-las semanas pólo porvedor da saúde, e que ainda em riba le haveram de pagar ****."

O que é facto é que foram estas as causas próximas da revolta popular da Maria da Fonte que, apoiada numa santa aliança que vinha dos setembristas (liberais radicais), dos jesuítas e dos miguelistas, derrubaram o governo de Costa Cabral.

Não é preciso muita imaginação para se ver uma certa semelhança entre a reforma das urgências e o encerramento das Maternidades, nas terras do interior, e as medidas de saúde pública impostas por Costa Cabral há 200 anos. A História diz-nos que o governo cabralista era ditatorial e prepotente, e para o progresso do país agravava os impostos e criava novos, enquanto os jornais escreviam que os Cabrais já tinham 8 milhões contados. Claro que aqui não existe nenhuma semelhança com o governo de Sócrates.

Estes são exemplos que os governantes não podem esquecer.
As medidas, mesmo parecendo boas e tendo o aval dos Srs. “excelentes técnicos”, não se podem fazer contra o povo nem, acrescento eu, a mau grado dos seus executantes.
O governo, contudo, parece não aprender e do alto da sua arrogância de maioria absoluta insiste no erro. Já lá vai um ministro, atenção que se podem seguir outros.

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Notas
*Ontem como hoje nunca se explicam as reformas ao bom povo
**Sempre os farmacêuticos a quererem vender sem receita médica
***Acção da ASAE
**** Esta o Correia de Campos esqueceu

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