Os portugueses têm sido confrontados, nos últimos anos, com uma ofensiva de grande envergadura contra o SNS e pela privatização de importantes sectores da Saúde, como os Hospitais públicos e os Centros de Saúde.
A Saúde, cujo orçamento ronda os 10 % do PIB, está a atrair, de modo crescente, o interesse dos grandes grupos económicos e financeiros privados, que anseiam gerir os segmentos mais rentáveis do sector de modo a obter, rapidamente, avultados lucros e elevada concentração de capital.
A visão estritamente economicista da Saúde, baseada no princípio da separação entre financiador e prestador e da responsabilidade individual, sanciona a completa demissão das responsabilidades do Estado e dos seus serviços públicos de saúde.
A aplicação desta política tem levado à deterioração da acessibilidade e qualidade dos cuidados de saúde e do financiamento e investimento nas unidades públicas de saúde, preparando a opinião pública para a aceitação da inevitabilidade do desmantelamento, desarticulação e privatização do SNS.
A chamada “nova” gestão é servida por “novos” gestores que consideram a Saúde uma despesa a fundo perdido que não traz retorno ao potencial económico e social do país. São, na maioria, técnicos oriundos das mais diversas áreas da economia, no geral incompetentes e profundamente ignorantes e insensíveis acerca dos problemas que afectam o sector. Pressionam as unidades de saúde para a diminuição das despesas e a obtenção de maiores receitas próprias, mesmo à custa da qualidade dos serviços. Tentam impor graves restrições ao exercício profissional, quer na qualidade técnica, quer nas condições de trabalho, formação, progressão e remuneração dos profissionais envolvidos, incluindo os médicos.
Todas estas medidas têm profundo impacto na qualidade de vida dos cidadãos que, em 2006, para além dos impostos e taxas moderadoras, pagarão directamente cerca de 40,5% das despesas totais da Saúde (média europeia: 24%), já que o valor previsto para as despesas públicas de Saúde será apenas de 59,5%, um dos mais baixos da UE, incluindo países que não têm SNS.
As soluções privatizadoras, em que se insiste, têm levado a resultados desastrosos nos países onde foram implementadas: encerramento de hospitais (incluindo universitários) e serviços, diminuição drástica do número de camas hospitalares, limitação da acessibilidade aos cuidados de saúde, crescimento das listas de espera, aumento das despesas com a Saúde, despensa de trabalhadores, reformas compulsivas, maiores desigualdades e discriminações, mais injustiça social.
Por outro lado, as políticas de Saúde dos últimos Governos têm menosprezado os Cuidados de Saúde Primários (CSP) e os seus profissionais, afastando-os das prioridades relacionadas com os recursos técnicos e humanos e o investimento financeiro.
Em Portugal investe-se, fundamentalmente, na medicina curativa, essencialmente hospitalar, muito mais cara, e menos na promoção da saúde, ou seja nos Centros de Saúde (CS). Os CS, que são a base institucional dos CSP e o pilar central do SNS, encontram-se deficitários em pessoal médico (faltam 1.500 médicos de família) e de enfermagem. O número de médicos hospitalares é, praticamente, quatro vezes o de médicos de família, quando o ratio ideal seria de 1:1. Legislação apropriada e oportuna favorece a entrada de grupos económicos privados na sua gestão e futura privatização.
Para a prossecução desta política de privatizações, a destruição das Carreiras Profissionais, como as Carreiras Médicas, é uma etapa crucial, provocando uma total desregulamentação e precarização laboral, por imposição dos contratos individuais de trabalho.
As Carreiras Médicas, com as suas elevadas exigências no que respeita à Formação Profissional, com repercussões óbvias na admissão e progressão, são um inegável garante da qualidade do exercício da profissão, da continua diferenciação técnico-científica, da hierarquia de competências, da autonomia e independência da profissão médica. A sua destruição deliberada favorece a entrega das unidades de saúde públicas aos consórcios privados, e permite a manipulação de uma enorme massa de mão-de-obra médica barata constituída, no geral, por jovens médicos divididos por parâmetros contratuais sem regra, que potenciam o individualismo, o desânimo, a frustração.
Assiste-se, ainda, com esta “nova” gestão a um alarmante desinvestimento na Formação Médica, seja pós-graduada, seja contínua, nas unidades de saúde, de que resultará, inevitavelmente, um decréscimo da qualidade do exercício profissional.
Há que dizer BASTA a esta degradante situação!
Os médicos, através das suas organizações representativas como a Ordem dos Médicos, Sindicatos Médicos e outras associações, podem e devem denunciar todas as medidas legislativas e estruturais que sejam lesivas da acessibilidade e qualidade dos cuidados de saúde, da qualidade de vida dos cidadãos, das condições de trabalho e da dignidade profissional dos médicos e dos outros trabalhadores da Saúde.
A este respeito, há que perguntar: qual o papel da Ordem dos Médicos em todo este processo?
Devemos afirmar, sem rodeios, que a OM, nos últimos consulados, não tem tido a acção interventiva que se pretenderia e desejaria, dando a ideia de apoiar tacitamente o essencial das políticas de Saúde dos mais recentes Governos, com oposição pontual a medidas de importância acessória, remetendo-se, as mais das vezes, a um longo silêncio conivente face ao pendor neoliberal, fortemente agressivo, das políticas governativas para a área da Saúde.
Hoje, não chega os Senhores Bastonários da Ordem dos Médicos afirmarem, nos seus Programas Eleitorais, “...defender o SNS e as Carreiras Médicas”.
É necessário, sim, quando no exercício efectivo do cargo, defender não só os legítimos interesses e o prestígio dos médicos, a qualidade da medicina no sector público e privado, os princípios e valores éticos e deontológicos, a formação e qualificação profissional, a independência e autonomia técnico-científica, mas, também, em coerência com a elevada dimensão humana e social da profissão, defender os superiores interesses dos doentes, da população em geral, a acessibilidade, universalidade, equidade e qualidade dos cuidados de saúde, isto é defender o direito constitucional à saúde.
Perante esta realidade, os médicos signatários deste Manifesto consideram um imperativo moral, profissional e cívico a apresentação de um Programa e de Candidaturas alternativos, ás próximas Eleições na Ordem dos Médicos, que traduzam o profundo descontentamento dos médicos em relação a esta política de Saúde, e defendam, sem ambiguidades, os seguintes princípios e reivindicações:
. Os princípios e os valores éticos e deontológicos da profissão médica.
. O direito constitucional à saúde.
. A participação, através das suas organizações representativas, em todas as questões relacionadas com a definição da Política de Saúde do país, e com o Ensino e Educação Médica.
. A manutenção, modernização e dignificação das Carreiras Médicas.
. A sustentabilidade, reorganização e financiamento adequado do SNS, que promova o desenvolvimento pleno das suas potencialidades, o total aproveitamento da capacidade instalada, o reforço dos recursos técnicos e humanos para a melhoria da qualidade dos cuidados de saúde acessíveis a todos os cidadãos.
. O investimento prioritário, em recursos técnicos, de pessoal e financeiro, em áreas estratégicas como os Cuidados de Saúde Primários, a Saúde Pública, a Saúde Mental...
. O aumento do investimento, dinamização, autonomia de gestão, reforço em médicos de família e enfermeiros dos Centros de Saúde, e sua eficaz articulação (não anexação!) com os Hospitais.
. A criação de uma Rede Pública, nacional, de Cuidados Continuados, evitando a privatização destes serviços.
. Um modelo de gestão pública democrática, participada, racional, por critérios objectivos, competente, desgovernamentalizada que garanta a produtividade, o combate ao desperdício de recursos financeiros do SNS, a humanização dos cuidados, mas, também, os direitos e a dignidade dos profissionais do sector, incluindo os médicos.
. A rejeição da empresarialização dos serviços de saúde públicos, como antecâmara da sua privatização.
. A recusa dos contratos individuais de trabalho, e a consagração da contratação colectiva.
. O apoio aos médicos do sector liberal, atendendo ao legítimo exercício livre da medicina, também sujeito a constrangimentos decorrentes da actual política de Saúde.
. A completa e clara separação entre o sector público e privado.
. A racionalização dos gastos públicos com medicamentos, e promoção do uso dos genéricos, devidamente certificados e sem anexação ao preço de referência. Controlo rigoroso da qualidade dos medicamentos.
. A criação das Farmácias hospitalares.
. A rejeição do decréscimo ou abolição da comparticipação do Estado no preço de medicamentos para o doente ou deficiente crónico.
. A diminuição das despesas com a Saúde pagas directamente pelo cidadão, que são das mais elevadas da UE.
. A eliminação das taxas moderadoras.
. A abolição das Parcerias Publico Privadas (PPP) para a construção de novas unidades de saúde.
. A reavaliação e redefinição da Entidade Reguladora da Saúde, que deverá depender directamente da Assembleia da República.
. A melhoria da Formação Profissional dos médicos, em concordância com os contínuos avanços das Ciências da Saúde, salvaguardando a qualidade científica, técnica e humana do exercício profissional.
. A manutenção da Titulação Única.
. A abolição da actual política de restrição nas admissões ás Escolas públicas de Medicina, Enfermagem e Tecnologias da Saúde.
. O reconhecimento criterioso de novas sub-especialidades e competências médicas que resultam do imparável desenvolvimento das Ciências da área da Saúde e da Tecnologia.
. A ocupação das vagas dos quadros de pessoal médico nas unidades de saúde deficitárias.
. A criação da Carreira de Medicina do Trabalho.
. A criação de Serviços de Saúde Ocupacional nas unidades de saúde
. A eleição de Comissões de Higiene, Segurança e Saúde em todas as unidades públicas de saúde.
. A implementação de programas específicos de prevenção e protecção dos riscos profissionais.
. A dinamização do Fórum Médico.
. A participação dos médicos e suas organizações representativas nas estruturas médicas internacionais. Cooperação com as organizações médicas dos PALOPs.
Dezembro de 2006
segunda-feira, 21 de maio de 2007
MANIFESTO AOS MÉDICOS
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